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Um lugar chamado Geribanda

Olá! Você está em uma exposição arqueológica virtual sobre os cotidianos de uma praça em Rio Grande. Para este espaço, reunimos algumas atividades desenvolvidas pela Arqueologia na atual Praça Tamandaré. Vamos expressar o dia a dia através de vestígios arqueológicos, desenhos, poemas, lembranças compartilhadas, fotografias e muito mais. Ah, é importante te explicar que o nosso olhar está voltado para vivências muitas vezes esquecidas e patrimônios não oficiais.

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 vamos começar!

Você conhece Rio Grande?
vista da praça tamandaré

Localizada no extremo sul do Rio Grande do Sul, a cidade do Rio Grande é a mais antiga do estado gaúcho, com 283 anos desde sua fundação. Só aqui, existem 138 sítios arqueológicos cadastrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). É muita história pra contar, né?! Mas hoje você vai conhecer mais sobre um lugar chamado Geribanda.

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Você conhece os diferentes mundos da Praça Tamandaré?

Se sentarmos em algum banquinho da Praça e ficarmos observando durante algum tempo seu movimento, facilmente percebemos que ela é composta por diversas coisas: plantas, monumentos, caminhos, pessoas, animais, música... E diversas atividades: consumir, passear, transitar, trabalhar, esperar, encontrar... Todas essas coisas juntas convergem para transformar aquele espaço na Praça Tamandaré. Sem esses componentes não podemos reconhecer o que é a Tamandaré hoje ou o que foi, um dia, a Praça da Geribanda.

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Quando tudo começou...
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Agora vamos te contar sobre o primeiro estudo arqueológico feito na Praça. Começou no ano de 2015, quando o Ministério Público Federal e o IPHAN embargaram as obras de colocação das paradas de ônibus para que o trabalho arqueológico, que é previsto por lei nessa situação, fosse feito. Foram meses de escavações, trabalho em laboratório e educação patrimonial. Pudemos conhecer mais sobre a história daquele lugar e o que ele representa para a comunidade rio-grandina.

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Foram encontrados muitos materiais arqueológicos em vidro, louça, cerâmica, metal, couro... Além de restos de obras, ossos de animais, madeira e muito mais.

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Você conhece a Geribanda?
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Dentre todos materiais, separamos alguns para contar a história da Geribanda. Nós sabemos que na Praça existiam poços de água que abasteciam a população. Olha só o que escreveu o viajante Saint-Hilaire há 200 anos atrás, em 1820: "Como já tenho dito, não há aqui nascentes nem fontes de água doce, mas atrás da cidade, entre montículos de areia (em lugar denominado Geribanda), cavaram-se poços, onde a pequena profundidade se encontra muito boa água. Os negros vão buscá-la em barris e retiram-na do poço com chifres de bois, no meio dos quais é introduzida uma vara comprida, instrumento que eles chamam de guampa."

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Mas por que Geribanda? Em alguns dicionários essa palavra significa "descompostura". O entendimento de que aquele lugar era "tumultuado" vem do fato de que ele era frequentado por pessoas que não faziam parte da elite. Era gente pobre, negra, escravizada, estrangeira, embarcada, ignorada e silenciada… Também sabemos que no terreno da Geribanda se formavam lagos da água da chuva, onde as lavadeiras, acompanhadas de suas filhas e filhos, lavavam roupas.

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Você consegue imaginar o movimento e a vida da Geribanda?

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Nos jornais e documentos antigos podemos saber mais como era o cotidiano da Geribanda. No dia 31 de abril de 1850 aconteceu uma luta de capoeira entre um negro escravizado e um liberto. O episódio resultou em uma morte por facada, diante de muitas pessoas que ali estavam. O uruguaio Alexandre de Souza  (de 19 anos, campeiro e filho de pais libertos) teve seu barril d'água derrubado por Bernardo (escravizado por Manoel José Corrêa de Sá) que desafiou Alexandre e depois acabou falecendo.

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Cacimba

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Na escavação foram encontradas algumas evidências que podem estar ligadas à Geribanda. A primeira delas é a existência de uma estrutura de captação de água, possivelmente uma cacimba.

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Nas fotos acima, podemos ver uma vala que encheu de água rapidamente por conta do nível do lençol freático. O que não podemos ver na foto, por causa da inundação, é uma estrutura, encaixada entre pedras, mais ou menos circular feita de material vegetal trançado. Essa estrutura apresenta semelhanças com um fundo de cacimba. O trançado teria função de filtrar a água para que ela pudesse ser usada pela população.

Vidros lascados e ossos marcados

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As outras evidências são fragmentos de vidros que foram lascados na própria Praça e ossos de animais com marcas de corte para a retirada de tutano. Esses materiais podem estar associados às pessoas escravizadas, pois eles são facilmente encontrados em escavações cujo o local se insere no contexto da escravidão, por exemplo: charqueadas, senzalas e engenhos. Pessoas escravizadas poderiam reutilizar os vidros para fabricar suas próprias ferramentas e utilizá-las para comer os restos de animais, deixando marcas em seus ossos.

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Você sabe o que é lascamento?

É quando alguém, intencionalmente, talha uma matéria prima até que ela vire uma ferramenta. A matéria prima lascada mais conhecida é a pedra, mas também existe o lascamento de ossos e vidros.

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Religiões de matriz africana

A Praça Tamandaré sempre foi um lugar de importância para as comunidades negras. Foi o que nos mostrou a escavação arqueológica. Na Praça, foram encontrados vestígios dessa presença negra. Inclusive alguns dos objetos que encontramos poderiam estar ligados às religiões de matriz africana, como a quartinha. As quartinhas são jarros feitos de barro usadas para transportar água. Nas religiões de matriz africana as quartinhas tem uma grande importância. Elas são essenciais na iniciação de um filho de religião, pois nelas é oferecida água ao orixá. Já que na Geribanda havia diversos poços de armazenamento de água, além da cacimba encontrada na escavação, a quartinha poderia ter servido para este fim. Tal como as pessoas escravizadas faziam no passado, hoje as comunidades de Terreiro seguem cultuando seus orixás.

 

Quando caminhamos pela Praça Tamandaré, encontramos oferendas que são colocadas junto às taquaras para Iansã/Oyá (orixá que está associado ao bambuzal). Afinal, segundo Jean Piraine da Nação Jeje, o bambu é uma das poucas árvores que se mantém de pé diante da fúria de Iansã, senhora dos ventos e das tempestades.

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Quando eu era criança...

O universo da Praça é imenso, não é mesmo? E as  crianças não ficam de fora. Chegou a hora da nostalgia:

Bolinha de gude

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Papel de bombom com data do início da década de 1990

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Sapatinho de bebê de plástico

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Essa bonequinha de porcelana é a Charlotte Congelada.

Ela era muito popular entre os anos de 1850 e 1920.

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A presença de crianças, brinquedos e brincadeiras na Praça vai além do que apareceu na escavação. Você lembra das filhas e filhos das lavadeiras da Geribanda? Você já brincou pela Praça? Já subiu correndo as escadas do Coreto de um lado e desceu do outro? Ahh, e a foto no cavalinho?

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O Projeto Geribanda
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Mesmo com o fim da escavação, o trabalho arqueológico com a Praça não parou. Até porque ainda tem muito material para analisar no laboratório. Mas agora vamos te convidar a observar o presente - ele muito se parece com o passado!

Desde 2018, o Projeto Geribanda escuta, observa e manifesta o cotidiano da Praça. Nós sabemos as conexões que diferentes grupos e pessoas têm com aquele lugar, especialmente com as plantas e os animais.

 

Passaram muitos animais pela Praça. Há muitos anos atrás, ela foi até cercada para controlar o tráfego de pessoas e animais, sabia?

Ainda que não tenha mais animais enjaulados no mini-zoológico, outros tantos transitam livremente pela Praça até hoje.

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Sobre o nosso ouvir e manifestar: vamos te mostrar agora o dia em que as taquaras falaram. Elas reivindicaram sua permanência na Praça, pois fazem parte da sua história. Lembra que as taquaras são muito importantes para as religiões de matriz africana? Elas não devem ser punidas pela falta de segurança e políticas públicas.

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O trabalho
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A Praça, além de tudo, é também um local de trabalho, seja ele formal ou informal. São equipes de limpeza e manutenção, trailers de comida, lanchonetes, barbearias, estúdio fotográfico, vendedores/as ambulantes, brechós, funcionários/as da empresa de ônibus, quiosques de ervas e revistas…

Todas essas pessoas possuem suas relações e opiniões próprias sobre a Praça. Podemos ver isso na distribuição do espaço para cada grupo atuar, como se existisse uma ordem. Por mais que seja um local público, cada um tem seu espaço para exercer suas atividades.

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Comerciantes
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O comércio na Praça Tamandaré existe há muito tempo. Lá por 1980, comerciantes informais se estabeleceram lá e em 1996 existiam aproximadamente 247 pessoas licenciadas para trabalhar. Esta prática, de acordo com a opinião pública, “enfeiava” a Praça. Então o comércio foi removido para o atual Camelódromo, lá na Rua Val Porto.

 

O fato é que o movimento da Praça chama atenção de qualquer comerciante, fazendo com que ela volte a ser ocupada, mas agora na figura de imigrantes senegaleses/as.

 

Sabe outra coisa que voltou também? A tentativa de remoção dessas pessoas. Nós entendemos que todos os trabalhos executados na Praça Tamandaré devem ser valorizados, pois todos têm a sua importância.

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A Praça significa trabalho e sustento para ti ou para alguém que tu conheces?

Como vão as coisas, meu irmão?
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​Vi homens negros vendendo quinquilharias eletrônicas no centro da cidade, populares disseram que vieram do Senegal, outros de Guiné Bissau e toda a certeza que temos é que estão longe de casa. Gosto de viajar, mas o melhor momento pra mim é quando estou retornando, cruzando o Trevo a poucos minutos de voltar pra casa, aí no anseio da adrenalina de beijar e abraçar forte a filha que me espera, nunca lembro daqueles caras negros que provavelmente não terão essa sensação deliciosa de retornar.

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Você desce no principal terminal dos ônibus e lá estão eles na Praça Tamandaré, calados, com uma estranha habilidade de manter o olhar distante, chego a me perguntar se o horizonte é Guiné, Papua, Nigéria ou Senegal, mas ainda não perguntei pra eles, talvez seja o meu temor em ser invasivo ou mesmo a crueldade da minha bondade passiva que só emite um “oi” e nunca um ”como vão as coisas, meu irmão?”

Por Alisson Affonso

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Isso também é Arqueologia
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Como vimos nesta exposição, a Arqueologia não estuda apenas o passado. E além disso, acreditamos que o passado e o presente estão conectados. Sabe como? A antiga Praça da Geribanda passou a ser Praça Tamandaré depois de um processo de embelezamento e higienização. E hoje, esse processo ainda acontece e se chama gentrificação.

Para te explicar melhor: na Praça, esse processo varreu e ainda varre o povo do espaço público para dar lugar a um espaço "limpo" e reformado. Limpo de gente pobre mesmo.

Antigamente, a pobreza era associada a doença, sabia? E usaram essa desculpa para  construir uma praça onde famílias ricas pudessem sair para passear. Mas agora que você já conhece a Geribanda, deve estar se perguntando "para onde foram as pessoas que ali estavam?"

Elas foram varridas para bem longe do centro da cidade.

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Outro exemplo da conexão passado-presente é que podemos tropeçar no passado, como os funcionários da Praça tropeçavam em artefatos arqueológicos dentro da casa dos coelhos. Além de tropeçar, guardavam o passado na árvore.

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Você já tropeçou no passado ou guarda ele em algum lugar?

 

Para finalizar, gostaríamos que você soubesse que lutamos por uma Arqueologia que faça diferença na vida das pessoas, que escute todas as vozes e que valorize as diferentes visões de mundo. Uma Arqueologia crítica que traga reflexões sobre as desigualdades sociais que se estabelecem no mundo contemporâneo.

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A Exposição Arqueológica Virtual Um lugar chamado Geribanda foi feita pelo Projeto Geribanda e pelo Liber Studium - Laboratório de Arqueologia do Capitalismo (FURG), em parceria com o Grupo de Estudos Etnográficos Urbanos (UFPel).

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